terça-feira, 10 de setembro de 2013

Disfunção alimentar, ou transtorno alimentar

É por isso que existimos....

Disfunção alimentar
, ou transtorno alimentar (TA), é um termo amplo usado para designar qualquer padrão de comportamentos alimentares que causam severo prejuízo à saúde de um indivíduo. São considerados como patologias e descritos detalhadamente pelo CID 10DSM IV e pela OMS. Geralmente apresentam as suas primeiras manifestações na infância e na adolescência. O diagnóstico precoce e uma abordagem terapêutica adequada dos transtornos alimentares são fundamentais para o manejo clínico e o prognóstico destas condições. 1
Aproximadamente 90% dos casos são de mulheres jovens, porém recentemente está havendo um aumento no número de transtornos em homens e em adultos de ambos os sexos. 2 Esses transtornos atingem entre 1 e 4% da população e seguem aumentando de frequência significativamente nos últimos anos. 3

Classificações[editar]

Existe um número diversificado de transtornos alimentares dependendo da fonte. Os mais conhecidos são a anorexia e a bulimia, porém existem vários outros segundo as pesquisas:
Devido às idiossincrasias da adolescência, mostram as estatísticas que essas disfunções alimentares são mais freqüentes nessa faixa etária, quase sempre associadas a algum quadro de disfunção emocional, na dinãmica da família, da escola, do trabalho e outras áreas importantes da vida social. Contudo, outras faixas etárias também mostram incidência dessa disfunção alimentar, inclusive bebês.

Causas[editar]

Porcentagem da população obesa no mundo. Segundo o IBGE em 2009 a obesidade no Brasil é de 12% entre homens e 17% entre mulheres.[1]
Assim como todos outros transtornos, envolve múltiplos fatores. Dentre os fatores responsáveis, destacam-se4 :
  • Histórico de transtorno alimentar na familiar 5
  • Histórico de transtornos de humor na família (como depressão ou transtorno bipolar)6
  • Famílias autoritárias (anorexia) ou negligentes (bulimia) 7
  • Contexto sociocultural caracterizado pela extrema valorização do corpo magro 8
  • Disfunções no metabolismo da serotonina e noradrenalina9 10 11
  • Experiência sexual traumática 12 13
  • Certos traços de personalidade (Baixa auto-estima, Introversão, Perfeccionismo (Anorexia), Impulsividade (Bulimia), Instabilidade afetiva, evitativo, ansioso (TCAP)...)
  • Fazer alguma dieta 14
É frequente a comorbidade de transtornos alimentares (TAs) com transtornos de humor, transtornos de ansiedade e dependência química. Sendo assim esses transtornos são considerados fatores de risco para anorexia, bulimia, hipergafia e vigorexia. Transtornos psiquiátricos de membros da família de primeiro grau (geralmente a figura materna) estão entre os principais fatores correlacionados com os TAs. Parentes de primeiro grau de pessoas com anorexia tem 11 vezes mais chance de desenvolverem esse transtorno que o normal enquanto parentes de bulímicos tem 4 vezes mais chance. 15
Mães com anorexia tem 75%-80% de chance de transferirem a anorexia para um ou mais filhos e mães com bulimia tem 45% a 55%. Acredita-se que existe um predomínio dos fatores ambientais sobre os genéticos nessa transferência pois existe uma correlação positiva entre a convivência com a mãe e a transmissão dos transtornos e a terapia comportamental é mais eficaz que a medicamentosa nesses transtornos. 16
Alguns remédios podem alterar o padrão alimentar diminuindo ou eliminando a sensação de fome. Nesse caso não se trata de um transtorno psicológico e sim de um efeito colateral conhecido como anorexia medicamentosa.

Classificações[editar]

Anorexia[editar]

Mulher com anorexia em 1900. Nouvelle Iconographie de la Salpêtrière.
Anoréxicos atingem uma grande perda de massa, de modo que o seu Índice de Massa Corporal se reduza a valores inferiores a 17,5 kg/m². A perda de peso pode ser efetivada por estrita restrição dietética, em adição a exercícios físicos excessivos; outros, em conjunção a esses métodos, também podem abusar de técnicas purgativas (provocar-se vômitos, abusar de laxantes ou diuréticos, etc.) que acreditam resultar em perda das calorias consumidas, sem necessariamente, como no caso da bulimia, ter antes havido períodos de comilança desenfreada.

Bulimia[editar]

Por definição, bulímicos passam por episódios (pelo menos duas vezes por semana) de comilança desenfreada que resultam num consumo de calorias muito superior ao de uma pessoa normal no mesmo período. Seguidos desses episódios, são por eles empregados vários hábitos que visam compensar o ganho calórico, entre os quais os mais usados são as técnicas purgativas; em uma pequena minoria dos casos, porém, bulímicos limitam-se a se exercitar rigorosamente e/ou jejuar por longos períodos, sem provocar a purgação da comida. A bulimia se distingue do tipo purgativo da anorexia, por não haver, no caso do primeiro transtorno, o emagrecimento extremo visto no segundo.

Hipergafia[editar]

Segundo a OMS, Hipergafia é quando um evento traumático resulta em um aumento no consumo de alimentos e consequentemente um rápido aumento de peso, geralmente resultando em obesidade piorando a auto-estima e auto-confiança do indivíduo.

Ortorexia[editar]

É a obsessão por alimentos saudáveis e nutritivos excluindo uma grande quantidade de alimentos, principalmente os mais industrializados, dessa dieta. Quase sempre ocorre em países desenvolvidos.

Pica[editar]

É o impulso de comer objetos não nutritivos nem cuja ingestão é aceita socialmente. Mais comum em crianças e mulheres grávidas. Seu nome é baseado no nome latim de um corvo famoso por comer de tudo .

Sindrome de Prader-Willi[editar]

Afeta crianças independentemente do sexo, raça ou condição social. De natureza genética, mais frequente em quem possui baixa estatura e peso, geralmente envolve retardo mental ou transtornos de aprendizagem e desenvolvimento sexual incompleto se trata de uma necessidade involuntária de comer constantemente, o que quase resulta em outros problemas de saúde como obesidade e problemas cardiacos. Leva a morte caso não tratado. Anti-depressivos ISRS tem se mostrado eficaz restringindo os danos, porém essa síndrome ainda não tem cura.

Transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP)[editar]

Conhecido em inglês por binge eating disorder, é uma classificação relativamente recente para a compulsão por comer característica da bulimia que não envolve o uso de métodos extremos de perda de peso como vômito, anfetaminas e laxantes. 30% dos obesos possuem esse transtorno e sua prevalência na população gira em torno de 2%.17

Transtorno obsessivo compulsivo (TOC) por alimentos[editar]

Semelhante aos outros transtornos obsessivos compulsivos, envolve pensamentos incontroláveis, repetitivos e persistentes, que só são aliviados enquanto o indivíduo se alimenta. Enquanto não se alimentar seguindo suas crenças o indivíduo sofre de uma ansiedade crescente e pensamentos constantes até ceder e é imediatamente reforçado\reforçopositivamente (com o prazer de comer) e negativamente (com o alívio da ansiedade) enquanto estiver comendo. Mesmo que esteja ciente de que seus pensamentos são prejudiciais a si mesmo, irrealistícos e inapropriados o indivíduo não consegue controlá-los. Ao contrário dos outros transtornos alimentares os anti-depressivos são bastante eficazes no tratamento do TOC.

Transtorno de ruminação[editar]

Mais frequente em crianças pequenas é caracterizado pela regurgitação ou remastigação repetida que não podem ser explicados por nenhuma condição médica. Podem resultar em desnutrição, perda de peso, alterações do equilíbrio hidroeletrolítico, desidratação e até morte.18

Vigorexia[editar]

É a obsessão por um corpo musculoso e atraente, quase sempre em homens. Envolve um treinamento muscular obsessivo e alimentação voltada para a manutenção desse corpo com uso frequente de anabolizantes. É classificada junto com os transtornos alimentares por envolver um disformismo corporal reforçado pelo culto a imagem, o desenvolvimento de uma alimentação restritos e hábitos patológicos com causas, consequências e tratamento semelhantes ao da anorexia e bulimia.

Outros transtornos alimentares não específicados[editar]

Cerca de um terço dos diagnósticos feitos usando o DSM IV são classificados como não específicados por não possuirem um ou mais critérios essenciais para a classificação em outro transtorno. Por volta da metade desses transtornos parciais se tornam transtornos completos caso não sejam tratados adequadamente preventivamente. 19

Diagnóstico[editar]

Existem alguns testes psicológicos desenvolvidos especialmente para o diagnóstico de transtornos alimentares gerais como o Teste de Atitudes Alimentares (EAT 26) ou específicos como o Escala de Compulsão Alimentar Periódica (ECAP)20 O diagnóstico geralmente é feito seguindo os critérios do CID-10 ou do DSM IV tanto por médicos, psicólogos ou nutricionistas.
O teste de atitudes alimentares (EAT-26) foi desenvolvido por Garner e Garfinkel, originalmente usado apenas para anorexia mas revisado para identificar outros transtornos alimentares, usa 14 critérios e é voltado especialmente para identificar riscos de saúde. Já está adaptado ao português e é aprovado pela APA21
No caso específico da anorexia nervosa os critérios basicamente envolvem:
  • Comportamentos visando a perda de peso e sua manutenção abaixo do normal;
  • Medo mórbido de engordar;
  • Distúrbio de imagem corporal; e
  • Distúrbio endócrino (ex: amenorréia).
Enquanto os da bulimia nervosa se caracterizam por:
  • Impulso irresistível de comer excessivamente;
  • Evitação do ganho de peso pela indução de vômitos e/ou abuso de purgativos; e
  • Medo mórbido de engordar.
Para o diagnóstico específico da bulimia existe o Bulimic Investigatory Test Edinburgh (BITE) e para o diagnóstico de distorção corporal existe o Body Image Test (BIT).22
Já os critérios diagnósticos dos outros transtornos ainda são controversos e estão sendo discutidos. Critérios importantes como a quantidade de episódios de compulsão alimentar necessários para caracterizar um TCAP ainda não estão definidos, mas estão em torno de duas vezes por semana. 23

Sintomas e outros Sinais de Alerta[editar]

  • Emagrecimento
  • Cuidado excessivo com a alimentação
  • Desculpas para não comer ou comer sozinha
  • Isolamento, alterações de humor e Agressividade
  • Excesso de exercício físico
  • Vômito e uso de laxantes
  • Atitude demasiado crítica quanto à sua imagem

Tratamento[editar]

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Advertência: A Wikipédia não é consultório médico nem farmácia.
Se necessita de ajuda, consulte um profissional de saúde.
As informações aqui contidas não têm caráter de aconselhamento.
O tratamento mais eficaz deve ser multidisciplinar, com acompanhamento médiconutricional e psicológico, para que se possa alcançar um peso mais saudável, diminuir a influência dos fatores psicológicos mantenedores desse comportamento, medicar com psicotrópicos como anti-depressivos e topiramato, acompanhar a evolução dos sintomas e prevenir ou conter as possíveis patologias associadas. Em casos graves, quando o peso corporal está a mais de 25% abaixo do mínimo ideal (por exemplo abaixo de 45kg quando o ideal é 60kg), pode ser necessária hospitalização. Em caso de obesidade mórbida pode ser feita uma cirurgia bariátrica.
As psicoterapias mais recomendadas são a Terapia analítico-comportamental e Terapia cognitivo-comportamental (39% de desaparecimento de sintomas a curto prazo). Os remédios psiquiátricos por outro lado tem tido eficácia significantemente menor (20% de desaparecimento de sintomas), tornando os psicotrópicos coadjuvantes dos tratamentos psicológico e nutricional mais voltados para tratar as comorbidades (como depressão e ansiedade) do que o transtorno alimentar em si. Os antidepressivos tem efeito melhor que o placebo apenas em 60% dos casos, podem ter como efeitos colaterais causar perda ou ganho de peso e tem 35% de abandono. Todos tratamentos juntos levam ao desaparecimento de sintomas em 49% dos casos. 24

Referências


  1.  APPOLINARIO, José Carlos and CLAUDINO, Angélica M. Transtornos alimentares. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2000, vol.22, suppl.2 [cited 2011-02-19], pp. 28-31 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462000000600008&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462000000600008.
  2.  Abott DW, Ackerman SH, Agras WS, Banzhaf D, Barber J, Bartlett JC, et al. Practice guideline for eating disorders. Am J Psychiatry. 1993;150:212-24.
  3.  Szmukler GI. The epidemiology of anorexia nervosa and bulimia. J Psychiatr Res. 1985;19:143-53.
  4.  MORGAN, Christina M; VECCHIATTI, Ilka Ramalho and NEGRAO, André Brooking. Etiologia dos transtornos alimentares: aspectos biológicos, psicológicos e sócio-culturais. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2002, vol.24, suppl.3 [cited 2011-02-19], pp. 18-23 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462002000700005&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462002000700005.
  5.  Agras S, Hammer L, McNicholas F. A prospective study of the influence of eating-disordered mothers on their children. Int J Eat Disord 1999;25(3):253-62.
  6.  Strober M, Lampert C, Morrell W, Burroughs J, Jacobs C. A controlled family study of anorexia nervosa: evidence of familial aggregation and lack of shared transmission with affective disorders. Int J Eat Disord 1990;9:239-253
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  8.  Stice E, Schupak-Neuberg E, Shaw HE, Stein RI. Relation of media exposure to eating disorder symptomatology: an examination of mediating mechanisms. J Abnorm Psychol 1994;103(4):836-40.
  9.  Spoont MR. Modulatory role of serotonin in neural information processing: implications for human psychopathology. Psychol Bull 1992;112(2):330-50.
  10.  Kaye WH, Ebert MH, Raleigh M, Lake R. Abnormalities in CNS monoamine metabolism in anorexia nervosa. Arch Gen Psychiatry 1984;41(4):350-5.
  11.  Jimerson DC, Lesem MD, Hegg AP, Brewerton TD. Serotonin in human eating disorders. Ann N Y Acad Sci 1990;600:532-44.
  12.  Wonderlich SA, Brewerton TD, Jocic Z, Dansky BS, Abbott DW. Relationship of childhood sexual abuse and eating disorders. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 1997;36(8):1107-15.
  13.  Palmer RL, Oppenheimer R. Childhood sexual experiences with adults: a comparison of women with eating disorders and those with other diagnoses. Int J Eating Disord 1992;12:359-64.
  14.  Hsu LK. Can dieting cause an eating disorder? Psychol Med 1997;27(3):509-13.
  15.  Strober M, Freeman R, Lampert C, Diamond J, Kaye W. Controlled family study of anorexia nervosa and bulimia nervosa: evidence of shared liability and transmission of partial syndromes. Am J Psychiatry 2000;157(3):393-401.
  16.  Woodside DB. A review of anorexia nervosa and bulimia nervosa. Curr Probl Pediatr. 1995;25:67-89.
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  18.  Sokol MS, Steinberg D, Zerbe, KJZ. Childhood eating disorders. Curr Opin Pediatr 1998; 10:369-77.
  19.  Fairburn CG, Walsh BT. Atypical eating disorders. In: Brownell KD, Fairburn CG, editors. Eating disorders and obesity: a comprenhensive handbook. New York: The Guilford Press; 1995. p. 183-7.
  20.  Transtornos alimentares. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2002, vol.24, suppl.2 [cited 2011-02-19], pp. 79-81 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462002000600007&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462002000600007.
  21.  Garner DM, Garfinkel PE. The Eating Attitudes Tests: an index of symptoms of anorexia nervosa. Psychol Med. 1979;9:273-9.
  22.  VILELA, João E. M et al. Eating disorders in school children. J. Pediatr. (Rio J.) [online]. 2004, vol.80, n.1 [cited 2011-02-20], pp. 49-54 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-75572004000100010&lng=en&nrm=iso>. ISSN 0021-7557. doi: 10.1590/S0021-75572004000100010.
  23.  CLAUDINO, Angélica de Medeiros and BORGES, Maria Beatriz Ferrari. Critérios diagnósticos para os transtornos alimentares: conceitos em evolução. Rev. Bras. Psiquiatr. [online]. 2002, vol.24, suppl.3 [cited 2011-02-19], pp. 07-12 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462002000700003&lng=en&nrm=iso>. ISSN 1516-4446. doi: 10.1590/S1516-44462002000700003.
  24.  Appolinário JC, Silva JAZ. Farmacoterapia dos transtornos alimentares. In: Nunes MA, Appolinário JC, Abuchaim ALA, Coutinho W. Transtornos alimentares e obesidade. Porto Alegre: Artes Médicas; 1998. p. 164-70.
    Fonte: 
    wikipedia.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Gorda num dia, bulímica no outro

Por que mais jovens sofrem dos dois problemas

Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismoEntrar na faculdade engorda. Não é de hoje que esse efeito colateral comum a tantos estudantes é observado e estudado. Nos Estados Unidos, existe até um termo popular para designar o ganho de peso que os alunos sofrem no primeiro ano da universidade. É o “freshman 15”. Isso porque os novatos engordam, em média, 15 pounds (6,8 kg) durante o primeiro ano. Universitários costumam consumir mais bebida alcóolica, pular o café da manhã e abusar de fast food. É uma fase desregrada e engordativa. Isso tudo parece óbvio. Menos óbvia, porém, é a quantidade de universitárias obesas que, na tentativa de emagrecer, se tornam bulímicas.

Um estudo recente conduzido pela professora Dianne Neumark-Sztainer, da Escola de Saúde Pública da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, revelou que 40% das universitárias acima do peso adotavam comportamentos típicos de quem sofre de distúrbios alimentares como a bulimia. Em geral, elas comem enormes porções calóricas e depois provocam vômitos ou tomam laxantes. Entre os estudantes do sexo masculino, o índice é de 20%.

Ao contrário do que muita gente pensa, vomitar não emagrece. O corpo de quem tem bulimia cria mecanismos de absorção rápida. Manda os alimentos direto para o intestino, como se aprendesse que a comida não vai ficar muito tempo no estômago. Vomitar, portanto, não anula as calorias ingeridas. Usar laxante também não adianta: o remédio age no intestino grosso, quando os nutrientes já foram absorvidos.

“As pessoas estão preocupadas com o fato dos obesos se tornarem mais obesos e os magros se tornarem anoréxicos”, diz Dianne. “Mas ninguém se preocupa com os distúrbios alimentares sofridos pelos jovens que estão acima do peso.” Li essas declarações numa reportagem sobre o assunto publicada pela revista Newsweek e assinada por Johannah Cornblatt.

É um tema revelante. Os danos provocados pelos distúrbios alimentares são graves: infertilidade, perda óssea, dificuldades cognitivas e, em casos extremos, morte. Gordos e magros sofrem disso. Esse fato levanta uma interessante discussão: estimular na população a obsessão pela contagem de calorias traz algum benefício?


A justificativa para espalhar em restaurantes avisos com a quantidade de calorias de alimentos é tentar combater os alarmantes índices de obesidade (60% dos americanos e 40% dos brasileiros estão acima do peso). A medida nasceu de uma boa intenção, mas está provocando efeitos indesejados.

Nos restaurantes universitários americanos, os avisos sobre as calorias dos alimentos assustam as anoréxicas. Elas passam a comer cada vez menos. Também não parecem estar ajudando as obesas. Em vez de usar a informação para fazer combinações equilibradas, elas se apavoram com as calorias ingeridas. Muitas provocam vômitos.

Cartazes com informação sobre calorias foram removidos das paredes dos refeitórios da Universidade Harvard. A justificativa para a remoção foi a surpreendente quantidade de pessoas com distúrbios alimentares que a universidade descobriu fazer parte de sua comunidade.

Quadros como esse são úteis para as pessoas que sabem interpretá-los. Aquelas que entendem que representam guias gerais criados para facilitar escolhas. Na prática, porém, os especialistas têm observado que muita gente superestima o significado dos números.

Muitos se assustam com as 128 calorias de um copo de suco de laranja. Escolhem todos os dias um refrigerante diet com menos de uma caloria. Não levam em consideração o fato de que o suco de laranja garante nutrientes essenciais. O refrigerante é nada.

Esse policiamento ostensivo em torno da contagem de calorias não produz mais saúde - nem física, nem mental. Produz mais neuróticos. Quanto mais informação as pessoas recebem, menos conseguem seguir o caminho do meio, o do equilíbrio.

Tenho visto muitas pessoas com peso normal caindo nessa armadilha. Falam de calorias o tempo todo. Imaginam que o mínimo desvio do que acham ser uma alimentação saudável será capaz de provocar uma catástrofe no organismo. Não percebem que uma rotina de alimentação equilibrada e atividade física nos permite cometer pequenos pecados que dão sabor à vida: um brigadeiro, um torresminho, uma pizza sem um grama de culpa.

Esse distúrbio de comportamento tem nome: ortorexia. Escrevi recentemente uma reportagem de capa sobre isso. Nos próximos anos, é possível que ele seja classificado como um transtorno psiquiátrico -- assim como a bulimia e a anorexia.

Pensei na ortorexia na semana passada, quando recebi uma mensagem aflita de um colega que havia lido uma reportagem sobre os malefícios do açúcar. O que me deixou preocupada foi perceber como a capacidade de julgamento dele estava prejudicada. O rapaz é inteligente, articulado, nada todos os dias, corre algumas vezes por semana e se alimenta de forma muito saudável. As nutricionistas que o acompanham recomendaram que ele consumisse um pouco mais de açúcar para melhorar seu desempenho na atividade física. Não vejo nenhum problema nisso. Mas o meu amigo ficou tão alarmado que resolveu disparar um email no domingão, às 8 horas da manhã, para sondar a minha opinião.

Minha resposta: “Você tem não apenas uma, mas duas nutricionistas cuidando da sua alimentação. Malha a semana toda e gasta todo o açúcar que ingere. Está preocupado por quê? Pare de pensar em dieta e vá ser feliz”. Acho que ele não ficou chateado. Está muito acostumado ao meu estilo objetivo - às vezes, excessivamente objetivo. Mas eu fiquei sinceramente preocupada com a paranoia sobre dieta e malhação que atinge cada vez mais pessoas das minhas relações.

Enquanto preparava a reportagem sobre ortorexia ouvi uma ótima frase da Mara Salles, a premiada chef de cozinha do Restaurante Tordesilhas, em São Paulo. Ela disse tudo: “As pessoas não estão perdendo só o prazer. Elas estão perdendo o juízo.”

Como ainda tenho algum juízo, assim que terminar de escrever esse texto vou sair para comer uma pizza de calabresa e tomar uma cervejinha. A semana foi pesada e eu nunca fui de ferro.


O que você acha? Queremos ouvir a sua opinião.

28/09/2009 - 17:52 - Atualizado em 28/09/2009 - 17:52
Fonte: Época - CRISTIANE SEGATTO
cristianes@edglobo.com.br